segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Eu sou livre


Estive deprimido em outubro mas parece que acabou. Amanheci muito bem nesta segunda e continuarei bem a semana toda. Percebi uma coisa muito importante. Percebi que sou livre. Estou no auge de minha forma física e mental e sou livre como nunca fui. Livre como talvez nunca vou ser. Mais livre do que a maioria das pessoas que conheço jamais será.Nada me prende ao Rio. Meu contrato de aluguel é flexível. Não tenho mais mulher. O cachorro eu levo pra onde quiser.Falo fluentemente as três principais línguas do Ocidente e tenho amigos espalhados nas maiores cidades do mundo. Alguns dias de sofá, pelo menos, eu arranco deles.Tirando estar um pouco acima do peso, não tenho doença debilitante alguma. Meu coração é ótimo. Minha pressão, perfeita e meu colesterol, baixo. Meu fôlego está acima da média e minha flexibilidade é surpreendente - o grande desafio dos meus amigos é tentar sentar de pernas cruzadas como eu sento e ninguém consegue. Ando 20km sem precisar parar pra descansar e já andei 40km num só dia. E quero fazer isso de novo, é uma delícia. Não uso óculos para ler, usar o computador e dirigir, mas também passo bem sem eles. De alergia, só uma leve rinite, que todo mundo tem. Não tenho carreira, investimentos, chefes, obrigações.

Dou aulas de inglês e psicologia, e clinico ....mas poderia dá-las em qualquer lugar. Presto serviços de consultoria, mas poderia prestá-los em qualquer lugar. Minha coluna pra o jornal da cidade eu mando de qualquer lugar.Fiscalmente, não existo - presto declaração de isento. Trabalhisticamente, não existo - o único trabalho de carteira assinada que tive foi por seis meses, muitos anos atrás, em um curselho de inglês. Estou no Serasa por causa de uma conta atrasada da ex que estava no meu nome, mas nunca perdi o sono por isso. Estar no Serasa só quer dizer que você não tem crédito na praça, e quem disse que quero ter crédito na praça?Amo minha família, que está toda aqui no Rio, mas não são âncora pra mim. Posso amá-los por internet e DDD.Posso fazer um concurso público, começar uma nova faculdade, tentar um mestrado, escrever um livro, praticar um esporte, subir a serra, ir trabalhar na ONU, qualquer coisa.Das pessoas que conheço e amo, não há nenhuma cuja vida eu inveje, nem por um segundo. Eles têm família, trabalho, filhos, um caminho traçado, poupanças. Boa parte já está começando a investir o que economizaram nos seus vinte anos. Quase todos são felizes.Ah, mas abriram mão de tanta coisa. Pagaram um preço que eu nunca quis pagar. Foram formigas, enquanto eu sou cigarra. Trabalharam duro, fizeram hora extra, venderam caro seu tempo, é verdade, tão caro que hoje têm apartamentos e portfólios de investimento para provar.Mas eu preferi ler, escrever, perambular. Não aprendi nada. Não me preparei pra nada. Meu deus, só essa noção de "se preparar" me é tão estranha! Ela implica renúncia no presente e investimento no futuro, duas coisas que nunca consegui fazer.Passei minha vida fazendo o que quis, na hora que eu quis, do jeito que eu quis. Nunca fiz nada pensando no futuro, nunca busquei segurança. Cursei Psicologia ao invés de Jornalismo porque me daria mais prazer. E disseram: "Estude Jornalismo! É uma profissão! Você aprende a fazer alguma coisa!" É verdade. Cursei Psicologia e não aprendi nada de útil. Nunca utilizei nenhum dos conhecimentos que adquiri. Nunca ninguém nem pediu pra ver meu diploma. Se tivesse saído de casa e, ao invés de ir pra UFRJ, tivesse ido pra praia, teria dado no mesmo. Fiz o que quis, porque quis, e não me arrependo.Se um dia vou pagar o preço? Ora, estou pagando o preço hoje. E pago feliz. Não acredito em estudo. Tirando casos óbvios, como medicina, engenharia e aviação comercial, não vejo o que alguém possa me ensinar que eu não aprenderia melhor sozinho, lendo, refletindo e praticando.Dá pra aprender mecânica visitando oficinas ao lado de um bom mecânico. Dá pra aprender artes plásticas visitando museus e galerias com um artista. Acredito no movimento. Não acredito que ninguém possa aprender nada sentado, calado, imóvel e passivo, ao lado de outros moscas-mortas, absorvendo como uma esponja a pseudosabedoria que um professor despeja. O nome disso é transferência de mediocridade. Obrigado, passo.Sou livre porque sei que a vida não faz sentido, porque sei que o sentido da vida sou eu que dou. Quase todo mundo que eu conheço busca por um sentido da vida, como se sentido da vida fosse algo dado, como se o sentido da vida fosse o grand canyon e estivesse lá, paradão fisicamente em algum lugar, esperando por seu cristovão colombo. E, enquanto buscam, suas vidas passam ah tão vazias, tão sem sentido. Não construíram, elas mesmas, o sentido de suas vidas. Não sabem nem o que é isso.

Um comentário: