
Aos 15 anos, Minha Mãe me colocou em uma escola internacional.Todas as aulas eram inglês. Todas as conversinhas com os colegas eram em inglês. Todos os nomes de partes do corpo humano eram em inglês. Todos os laboratórios de física eram em inglês. E meu inglês nem era isso tudo. As regras, a cultura, os hábitos, tudo era radicalmente diferente. Nunca me senti tão mentalmente estafado como naquelas primeiras semanas. Aprendia coisas novas no ritmo que só um cérebro de quinze anos é capaz.Sem querer, sem planejar, bom ser humano que sou, no esforço de me adaptar ao meu novo ambiente, eu mudei. Foi minha primeira, e mais importante, reinvenção.Sobrevivi ao primeiro ano já camaleado. Tão ocupado em entender o novo mundo à minha volta, nem mesmo percebi o quanto tinha mudado. Para melhor absorver o meu ambiente, fiquei mais calado, mais calmo, mais tolerante. Para fazer amigos, me tornei mais sociável, menos agressivo, menos boca suja.As atividades extra-curriculares da escola serviam de válvula de escape para minha energia interminável. Fiz de tudo. Editei jornal, presidi grêmio, participei de clubes, disputei eleições. Além de canalizar minha agressividade latente, essas atividades também fizeram com que eu me socializasse com colegas de interesses parecidos e até mesmo desenvolvesse liderança.O eremita ranzinza tinha finalmente aprendido a interagir com os humanos.Preciso reescrever o primeiro capítulo de um romance dezenas de vezes até encontrar o tom exato. Quando encontro, o resto do romance nada mais é do que plagiar aquele primeiro capítulo, manter aquele tom, sustentar aquele clima.Eu, romancista da minha vida, fiz o mesmo.Olhei pra trás e pensei: essa pessoa que eu fui nesse último ano é quem eu realmente sou, é quem eu quero ser. Como manter esse tom?De certo modo, me tornei o ídolo de mim mesmo. Algumas pessoas se perguntam: o que Jesus faria nessa situação? Pois eu me perguntava: o que o Wallace desse ano passado faria? E buscava estar à altura daquele padrão de comportamento que eu mesmo, sem perceber, havia estabelecido.Mesmo assim, muitas vezes, eu ainda resvalava em meus velhos e agressivos hábitos. E os novos amigos estranhavam, não me reconheciam: o que foi isso, Wallace ? Você não é assim!E eu ria por dentro: sou sim, mas não pra vocês.Na prática, eram o termômetro da minha metamorfose. Afinal, conheciam apenas o novo Wallace. Ninguém melhor do que eles para detectar (e estranhar) as aparições esparsas do velho.Nenhum dos wallaces eram perfeitos, claro. O Wallace da escola internacional era sociável e palatável, um bom político que ganhou todas as eleições que disputou mas, também por isso, careta, vaselina e tão certinho quanto jamais conseguirei ser.E, assim, fui crescendo e, dentro de minhas limitações, virei gente.Mas nunca cansei de me reinventar.
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